Edit Content

Menu

Inteligência Artificial no setor público: ficção ou realidade?

Inteligência Artificial no setor público: ficção ou realidade?

Compartilhar:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email
Share on whatsapp

Fabio Correa Xavier CIO do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo destaca alguns conceitos da Inteligência Artificial e os benefícios que essa tecnologia pode trazer ao mercado corporativo




A Inteligência Artificial é uma das tecnologias mais comentadas atualmente. O tema tem ganhado extrema relevância também no setor público, no qual várias implementações tem sido discutidas para otimizar a movimentação da máquina administrativa. O Governo Federal, inclusive, fez uma consulta pública sobre a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial e sua aplicação no setor público. A consulta recebeu várias contribuições em relação a pontos como benefícios do uso de IA em órgãos públicos, áreas prioritárias, uso de IA para ajuda na tomada de decisão, e questões éticas.


Mas quando pensamos em IA, difícil não se lembrar de filmes como AI, Eu, Robô, Blade Runner, Ex-Machina, a série russa Better than us e até a Skynet de Exterminador do Futuro. Mas a realidade não é tão ruim como o cinema costuma retratar. Quando tento me lembrar de uma experiência de sucesso do uso de IA, sempre me vem à cabeça a vitória em um jogo de xadrez do Deep Blue, um computador da IBM, sobre Garry Kasparov, campeão mundial e ainda considerado por muitos o melhor enxadrista de todos os tempos. Na verdade, o algoritmo usado pelo Deep Blue não era tão complexo.


Era uma variação de uma abordagem descrita pelo matemático Claude Chanon em seu artigo “XXII. Programming a Computer for Playing Chess” de 1950, que avaliava todos os movimentos possíveis e as possíveis respostas dos oponentes, de forma contínua repetitiva. Isso claro, era limitado pela velocidade de processamento e do tempo disponível. Ou seja, aumentando a capacidade de processamento, aumentava-se a quantidade de análises feitas pelo algoritmo do Deep Blue e, consequentemente, suas chances de vitória. Foi o que aconteceu entre 1996, quando Deep Blue perdeu, e 1997, ano da vitória da máquina. O poder de processamento praticamente dobrou de um ano para outro.


É Importante destacar que o poder de processamento por si só não é suficiente para criar uma IA. São necessários pelo menos dois outros ingredientes: informações abundantes e o algoritmo adequado. Para que a IA seja realmente efetiva, precisamos de uma maneira de capturar e acumular informações sobre o problema com o qual a inteligência artificial está interagindo. Aí entra como forte aliado o Big Data, informações estruturadas e não-estruturadas, Internet, dados proprietários. Além do poder de processamento e informações, precisamos encontrar os algoritmos e técnicas corretas para processar as informações de entrada, a fim de construir o resultado certo. Esta é a parte mais complexa de uma solução de IA efetiva. E para tentar deixar as coisas mais claras, vamos garantir um entendimento claro do se entende por inteligência artificial.


Em uma definição simplista, IA seria um sistema capaz de apresentar traços da inteligência humana, como raciocinar, aprender com a experiência ou interagir com humanos em linguagem natural. Uma ótima definição foi dada por Mariana de Siqueira em seu artigo “A inteligência artificial no judiciário brasileiro“, transcrita abaixo:


“IAs são instrumentos tecnológicos peculiares de tomada de decisão, estruturados a partir de base de dados e de aprendizado de máquina e que demandam a existência de hardwaresoftware, processamento de linguagem natural e de algoritmo para que funcionem.”


É importante distinguir os dois tipos de IA: IA geral (ou forte) e IA restrita (ou fraca):


Geralmente, a IA geral é o que nós vemos nos filmes, um sistema completo, praticamente indistinguível de um ser humano. A IA restrita é quando um sistema exibe traços de inteligência semelhantes a humanos em um campo ou tarefa específica. Um chatbot, por exemplo, que pode responder perguntas sobre determinado assunto para o qual foi treinado, seria um bom exemplo.


Como se pode imaginar, ainda não sabemos como criar IA geral, como aquele menino do filme IA, David Swinton, Arisa, de Better than us ou os replicantes do filme Blade Runner. Alan Turing propôs o chamado Teste de Turing para verificar a capacidade de uma máquina ter um comportamento inteligente equivalente a um ser humano, a ponto de ser indistinguível de um ser humano real. Contudo, há inúmeras questões éticas que precisam ser tratadas. Por exemplo, imagine um carro autônomo, que use IA na condução segura, esse carro pode ter que tomar decisões complexas que envolvem escolher quem deve viver.


Ele pode ter que decidir entre preservar a vida de seu dono ou de uma criança que está atravessando a rua inadvertidamente atrás de uma bola. Que decisão deve ser tomada? Sacrificar o motorista, desviando da criança e batendo em um muro, ou sacrificar a criança e preservar o dono do carro? Essa situação é conhecida como o “dilema ético dos carros autônomos” e é constantemente debatida. Creio que nem as famosas “Três Leis da Robótica” de Isaac Asimov, elaboradas há mais de 50 anos, teriam como ajudar nesse dilema.


Dora Kaufman explica em seu artigo “A ética e a inteligência artificial” que a questão ética é uma preocupação constante e alguns estudiosos sugerem a criação de um conselho global de ética digital para tratar o assunto. Outra questão interessante, segundo Kaufman, foi colocada pelo filósofo americano Ned Block, transcrita a seguir:


“Se as máquinas aprendem com o comportamento humano, e esse nem sempre está alinhado com valores éticos, como prever o que elas farão?”



Esse fato pode ser observado com o chatbot Tay da Microsoft que, em menos de 24 horas, se transformou de um inocente amigo virtual de adolescentes para um defensor nazista de sexo incestuoso, comportamento adquirido pela interação com os jovens.


Se por um lado há ainda grandes obstáculos para chegarmos à criação de uma IA geral, por outro lado os especialistas estão cada vez melhores em criar soluções que utilizam a IA restrita, principalmente porque já temos poder de processamento suficiente, muitos dados disponíveis e, por último, mas não menos importante, o conjunto certo de técnicas e algoritmos.


Fato é que hoje há muitas soluções de IA restrita em uso em várias empresas e até em órgãos públicos. Nos órgãos de controle, a matéria do Instituto Rui Barbosa cita alguns exemplos na matéria “Uso de robôs pelos Tribunais de Contas“, como o chatbot de atendimento do TCESP. Na página da consulta pública sobre IA há vários outros exemplos de uso de IA em órgãos públicos, como os robôs Alice, Monica e Sofia do TCU; Bem-te-vi do TST; Victor do STF; Elis do TJPE.


Uma iniciativa digna de nota é que no âmbito do Comitê de Tecnologia, Governança e Segurança da Informação dos Tribunais de Contas foi criado um grupo de trabalho específico para tratar do tema Inteligência Artificial. O objetivo desse grupo de trabalho é identificar oportunidades de uso da IA e compartilhar soluções que já estejam em uso, como já vem acontecendo com o robô Alice do TCU/CGU, que já está em uso em vários Tribunais de Contas estaduais.


O caminho é longo, mas bastante promissor. E a junção de forças e compartilhamento de soluções e ideias é uma ótima iniciativa que em breve dará muitos frutos.


Referências Bibliográficas


INSTITUTO RUI BARBOSA. Uso de robôs pelos Tribunais de Contas. 2020. Disponível em: https://irbcontas.org.br/uso-de-robos-pelos-tribunais-de-contas/. Acesso em: 01 ago. 2020.


KAUFMAN, Dora. A ética e a inteligência artificial. Valor Econômico, dez. 2017. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2017/12/21/a-etica-e-a-inteligencia-artificial.ghtml. Acesso em: 01 ago. 2020.


SHANNON, C. E.. XXII. Programming a Computer for Playing ChessPhilosophical Magazine 41, 256 (1950). Disponível em: https://vision.unipv.it/IA1/aa2009-2010/ProgrammingaComputerforPlayingChess.pdf. Acesso em: 01 ago. 2020.


SIQUEIRA, Mariana de. A inteligência artificial no Judiciário brasileiro. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-inteligencia-artificial-no-judiciario-brasileiro-28072020?utm_source=JOTA+Full+List&utm_campaign=7a96fbfa7c-EMAIL_CAMPAIGN_2019_03_29_08_43_COPY_04&utm_medium=email&utm_term=0_5e71fd639b-7a96fbfa7c-381263053. Acesso em: 01 ago. 2020.


TURING, A. M.. Computing Machinery and Intelligence. 1950. Disponível em: https://web.archive.org/web/20141225215806/http://orium.pw/paper/turingai.pdfhttps://web.archive.org/web/20141225215806/http://orium.pw/paper/turingai.pdf. Acesso em: 02 ago. 2020.